quinta-feira, 5 de abril de 2007

Enquanto não tomo vergonha e digito coisas novas, vai esse mesmo...



O Biombo

"Não me deixe só, mas não chegue tão perto assim. não me abraçe, não me solte. não me faça te querer."

Um tabique de madeira escura foi colocada ali antes da mudança , um biombo entre os dois , como preferia dizer. O que dividia . Só assim é possível compartilhar , filosofava ele entre uma e outra baforada de cigarro . Matérias não se misturam ou não te disseram isso ?! Sempre terminava com esta afirmação interrogativa . Foi o biombo que o impediu de viver com ela , faltou - lhe ousadia para entrar no indevassável .Era alto e escuro o , o biombo .Só depois que o conheci comecei a prestar atenção nesse significado .Biombo . Palavra leve , um pombo voando talvez , é minha cabeça que vê poesia em tudo . Um vocábulo necessário, para ele , como uma porta , uma porta feérica poderia ser, dessas em que todos deveriam ter acesso de vez em quando para entrar e sair sem serem vistos , e até concordo que isso facilitaria a vida , quem nunca acordou e tudo o que mais quis foi chegar ao seu destino sem precisar não irritar- se com papos banais e pessoas chatas , um sonho de consumo em determinados momentos .O biombo era para mim um termo solitário , como ser livre e não conseguir se libertar do cárcere .Mas ele definia como uma possibilidade de viver uma vida , digamos , mais saudável. Acordei com vontade de dizer tudo isso a ele , aposto que adoraria me ouvir filosofar , mas achei melhor permanecer aqui com meus livros e cadernos sobre a cama , vai que acaba interpretando mal , adora codificar o meu dito e o não , ama bancar o sabichão .Certamente , ficaria irritado e logo pediria um tempo pela invasão .Não ,hoje eu fico aqui ouvindo meus cds que ele odeia , fingindo que a análise já me fez dona de mim .Na espera do telefone .Ele vai me ligar ou assobiar três vezes para eu adentrar com o falso ar de "não preciso de você para nada". Às vezes eu percebo que ele tiraria a divisão se eu não fosse e voltasse tantas vezes no mesmo dia .É que quem manda em mim pulsa e age tão mais rápido que a razão .Eu me amo nele , ele não .Eu deixo .Me escondo quase que instintivamente , mas quando saio sou assim , meio , visceral . Sem maquiagem , ele vê sempre tudo . Todo sábado não há biombos entre nós , e neste dia , acordo uma hora antes , me ajeito e chego a esquecer que Clarice Lispector é quem mais bem faz à minha alma .E eu percebo que ele , de maneira sensível e racional , corresponde o afeto com quase tudo que tem de melhor , o que resta ele deixa para ele ,:a maior parte qualitativamente , talvez .E eu digo que só me importo com o que sinto e finjo até que prefiro simplificar a vida. A única coisa que nós deixamos clara com olhares é a semana seguinte e, eu brinco de faz de conta que eu só me preocupo com a gente .Ainda que eu saiba o nome de quem o divide comigo .É inefável .O único porvir que não me é surpreendente nele é a inconstância .Mas quem disse que eu me importo com isso ? Me importo . Chego a fazer planos de passar um tempo estudando do outro lado do mundo , mas logo desisto .Quando dá seis horas corro para casa para esperar por ele .Repito pra mim mesma até dizer chega que a pressa toda é para não perder a minha novela preferida e passo horas sem lembrar do meu discurso sobre a frivolidade da televisão .Alguém pode me dizer para que lado eu devo ir para encontrar a saída ?! Eu sei meu coração é abjeto de pureza .E o que eu quero agora é dez anos de garantia .Mas até os cupins corroem madeiras com o tempo .Quem sabe ? Não sei, hoje é dia apenas de sentir .Domingo repenso tudo isso.